domingo, 5 de fevereiro de 2012

...


ladro à lua faminto de teu corpo
nas infinitas noites
em que não vens apesar do grito!..

tomo-te em meu corpo febril
como adolescência do desejo
em solidão desesperada!...

colho-te pura flor da madrugada
entre orvalhos e lascívia sibilada
em que te deito sem te ter!...

sorvo-te no altar da tuas coxas
persigo a meta como caça em língua
resoluta em febre de greta  molhada...

sublimo-te na explosão do meu sexo
como gota na sofreguidão do beijo
como se tu viesses toda inteira...


Autor:Senador
Foto: Jerzy Sowa, Jr.

domingo, 29 de janeiro de 2012

Haverá talvez


Haverá talvez um modo de amanhecer
que revele nos olhos o secreto ardor
com que se levanta o trigo enorme.

Haverá talvez um lago que a noite não toque
e de dia em dia, como ontem, como amanhã,
cante a mulher que ali foi ver nascer o filho.

Haverá talvez um suor que não o do sacrifício
e com o qual a pele cintile como uma borboleta
que vem descendo o céu até à flor dos teus lábios.

Haverá talvez uma fala onde nos poderemos encontrar
sem que a tua mão esqueça a minha, sem que o sorriso
esconda o vazio, uma fala que só possa e saiba dizer nós.

Haverá talvez um poema em que o soluço aperte as veias
como o rio aperta o mar, um poema em que eu e tu
dormimos sobre o luminoso esplendor do universo.

 Autor : Vasco Gato

domingo, 22 de janeiro de 2012

É hora da partida


É hora da partida – esperada
A roupa cobre o meu corpo 
Agora só meu
E deixo desordenados 
Aromas impregnados no teu 

Descansas num mar revolto
De sentires 
De desejos consumados
E de olhos fechados – dormes
Sonhando prazeres partilhados

Já não estou mais ardendo
No lume que nos queimou
No ocaso que chegou
No eco que se desfez
Na hora da partida que se anunciou

E vou pela calada
Dançando em passos ligeiros
Ainda com vestígios de beijos e mel
E das carícias que ficam 
A flutuar em parcelas de saudade.
.
Autor : BeatriceM 22-01-2012
Foto: Laura Makabresku

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

A música



Rui Costa
 1972-2012

A música partilha com a flor
a carne que se alaga como um copo.
A música é um rizoma atómico
cheia de sílabas grossas e finas
no peito maduro da onda.

Por isso a onda cai e a flor
também. E se te digo sei que ficas
triste e é quando substituis essa
geração de força por dois pequenos
vasos à entrada do teu dorso (e qual
és tu e qual sou eu é uma haste subindo)

Do teu lado esquerdo é dia.
O vestido é branco e aponta
a cidade a que chegas com os
dedos, rodando os ombros mas
não a cabeça. O teu olhar
é uma ferida musical sem verbo fixo:
a penumbra bate às vezes na
pálpebra, outras na imaginação.

A queda gera o seu próprio
impulso, como se fosse o preen-
chimento de uma forma: chama-se amor
e serve para os ouvintes ouvirem o esbracejar
do desejo, esses versos de asa silenciosa-
ouves?

Há poetas azuis que julgam que a
coerência é um pardal azul (da goela
até aos pés). Normalmente limpam os óculos
com coerência, em vez de com (enfim)
e depois vêem o mesmo pardal, a todas
as horas do dia e da noite, sentado azul-
mente sobre o seu nariz azul.

Pela direita, dizes que os versos
não caem se mudares constantemente
o chão. Mas os sonhos sim, e que a transla-
ção do vento sabe do remorso dos bichos mais
pequenos: procura as palavras junto ao chão
e se não me vires,
é porque o silêncio é também a música
e canto-a sem nome
para ti.
.

Rui Costa
in Um poema para Fiama,
Labirinto,2007

domingo, 15 de janeiro de 2012

Os Versos



Os versos assemelham-se a um corpo
quando cai
ao tentar de escuridão em escuridão
a sua sorte

nenhum poder ordena
em papel de prata essa dança inquieta
.


Autor :José Tolentino Mendonça
Foto:fotoalterego

domingo, 8 de janeiro de 2012

....



---deixaste-me no fim da avenida perto do quiosque 
havia música num bar junto da praia 
estava frio e atravessei a rua 
abracei a tarde só para mim 
e tu não sabias da lágrima que corria 
e das gaivotas que sobrevoavam o barco no mar 
e eu sabia que tu nunca irias comigo naquele 
nem noutro barco qualquer 
porque o teu destino era outro
 e aí  não havia lugar 
para mim---
.
Autor :Beatrice
Foto: Rockania

domingo, 1 de janeiro de 2012

Falei de ti



Falei de ti com as palavras mais limpas

Viajei, sem que soubesses, no teu interior.
Fiz-me degrau para pisares, mesa para comeres,

tropeçavas em mim e eu era uma sombra
ali posta para não reparares em mim.



Andei pelas praças anunciando o teu nome,
chamei-te barco, flor, incêndio, madrugada.
Em tudo o mais usei da parcimónia
a que me forçava aquele ardor exclusivo.


Hoje os versos são para entenderes.
Reparto contigo um óleo inesgotável
que trouxe escondido aceso na minha lâmpada
brilhando, sem que soubesses, por tudo o que fazias.


Autor,Fernando Assis Pacheco

domingo, 25 de dezembro de 2011

O Natal



O natal faz-me confusão, e nunca é, nem nunca foi como eu o imaginava, ou sonhava.

E na minha permanente confusão acerca disso, prefiro o meu mutismo a uma opinião mais plausível e coerente, mas, e como é Natal  para todos os seguidores e os leitores que visitam este espaço, desejo

Bom Natal de 2011
.
Foto  Tomasz Stawowy
Beatrice

domingo, 18 de dezembro de 2011

Falo de


Falo de um homem que possuía livros de poemas. Foi talvez o único real leitor. Ele abria os livros, um livro. Escolhia um poema. Era um ritual misterioso. Porque ele raspava as letras da página, cuidadosamente, como para conservar a integridade do papel. Raspava e reunia os pedaços negros. Aquecia então água com o vagar próprio da vertigem. Uma estranha ciência de vapores.

A infusão sucedia: a escura substância do poema misturava-se mais e mais com o fervor da água, até ao ponto em que tudo aquilo era vivo. O homem bebia então o poema e o poema flutuava no sangue, atingindo todos os lugares do corpo, reclamando todos os lugares do corpo. Não era previsível o efeito do poema. Cada poema dissolvido, sorvido, feito homem, trazia consigo uma possibilidade própria. O homem crescia com o poema, crescia mais para si, mais para o poema.


o homem que possuía livros de poemas, possuía uma biblioteca em branco. Páginas e páginas de poemas arrancados sem vestígios, um crime perfeito. Era uma biblioteca poética. Uma biblioteca que podia arder.

Autor : Vasco Gato
de Omertã, Quasi Edições, 2007
Imagem:-Fao

domingo, 11 de dezembro de 2011

se um dia



se um dia – alhures
olhasses para mim
num mar que não o meu – nem o teu
e para um passado - que eu queria presente
.
a minha natureza
seria uma serpente
com a língua em fogo
.
Autor: Beatrice

domingo, 4 de dezembro de 2011

-





Pedem tanto a quem ama: pedem
o amor. Ainda pedem
a solidão e a loucura.
Dizem: dá-nos a tua canção que sai da sombra fria.
E eles querem dizer: tu darás a tua existência
ardida, a pura mortalidade.
Às mulheres amadas darei as pedras voantes,
uma a uma, os pára-
-raios abertíssimos da voz.
As raízes afogadas do nascimento. Darei o sono
onde um copo fala
fusiforme
batido pelos dedos. Pedem tudo aquilo em que respiro.
Dá-nos tua ardente e sombria transformação.
E eu darei cada uma das minhas semanas transparentes,
lentamente uma sobre a outra.


.
Autor: Herberto Helder 
Foto Keita

domingo, 27 de novembro de 2011

As noites

São tão grandes as noites – na casa
É tão imenso o silêncio - consentido
Em forma de abismos

E nas mãos
Apenas repousa o nada
Entrelaçados nos pés
.
Autor : BeatriceM

domingo, 20 de novembro de 2011

Fim



faz-se tarde
e eu deixei de esperar-te.


todos os portos se fecham sobre mim
e a floresta adensa-se -


nenhuma clareira se abre à passagem dos
animais e do homem antigo.


são 4 horas na manhã de todos os relógios.

.Autor :José Agostinho Baptista
Foto::Leszek

domingo, 13 de novembro de 2011

O verdadeiro poema

O verdadeiro poema
não voa pela vida, mas acima dela.
É um falso deambular que atira
as imagens ao ar ainda não respirado
e as ata,
em braçados de palavras redondas,
no horizonte de cada olhar.
.
O verdadeiro poema
conduz mais vozes de fora para dentro
que o inverso.
É um filme ao contrário
onde a bala, que não é disparada
pela espingarda do poeta,
tem que atingir quem carregar no gatilho.
.
Mas, se o horizonte é pequeno,
não há ricochete e
o verdadeiro poema morre por fuzilamento.



Autor : Nilson Barcelli http://nimbypolis.blogspot.com/
Foto ERTU

    domingo, 6 de novembro de 2011

    Ainda


    tantas vezes – ainda
    são a memória dos teus dedos que me tocam
    que deambulam 
    e correm como um rio na procura desenfreada
    da foz
    no meu corpo
    ainda – sempre – teu.

    tantas vezes – ainda
    chega-me o cheiro verde de mentol
    do teu hálito no meu

    e o corpo – o meu
    ainda - sempre
    continua solitário - à espera do teu.
    .
    Autor :Beatrice
    Foto:Rishka