terça-feira, 4 de abril de 2023

Canto incivil


Basta estar vivo
pra ser subversivo.
(Ou subservivo).
Basta não figurar
no registro civil
pra ser incivil.
(Ou vil, pra encurtar a palavra).

Basta ser incivil
pra não ser ninguém.
Basta não ser ninguém
pra ter o apelido
que a polícia dá
a quem não é ninguém.

Tinha eu dois nomes:
Zebedeu,
que a miséria me deu.
E “elemento subversivo”
que a polícia me deu.

E apenas uma dor:
a que a vida me deu.

E eis-me aqui, incivil
(ou vil, pra encurtar a palavra).

Uma patada de cavalo
em meio do comício
e eis-me aqui, estendido em decúbito
dorsal.
 
(Ou já cortado ao meio,
sem dor, nem sal).

Autor : Cassiano Ricardo
Montanha-russa (1960)
Imagem : Mariusz Lewandowski

3 comentários:

brancas nuvens negras disse...

Muito criativo, muito actual em que vemos lá ao longe a necessidade de ter de lutar pela dignidade dos povos. E nós, cada um de nós, é o povo.
Um abraço.

- R y k @ r d o - disse...

Trocadilhos entre palavras que gostei de ler.
.
Cumprimentos poéticos. Um dia feliz.
.
Pensamentos e Devaneios Poéticos
.

Cidália Ferreira disse...

Excelente poema. Obrigada pela partilha!!
.
Soltam-se as gotas, como sorrisos do rosto...
.
Beijo e uma excelente tarde.