quarta-feira, 26 de maio de 2021

Lei Sálica

 


As mulheres da família sempre
tiveram um jeito quase póstumo
de existir: guardar o lume
em silêncio, comer depois de
servir os outros, morrer primeiro.

Saíam à hora de ponta do destino
para lerem os caminhos perdidos
e coleccionavam a abdicação
em caixinhas de folha, entre bilhetes
caducados ou dentes de infâncias alheias.

Esperavam a vida toda por uma vida
próxima, de alma presa a alfinetes
no vestido preferido para o enterro,
os passos medidos nas suas varandas
a dar para o fim do mundo.

Retomo-lhes às vezes os gestos
neste meu exílio inventado,
mas acaba aqui: vou encher de corpo
a sombra, mesmo que nem tempo
me reste já para a pesar.

Autor : Ines Dias
Imagem: Lei sálica, cópia manuscrita em pergaminhodo século VIII.Biblioteca Nacional da França-Paris

2 comentários:

- R y k @ r d o - disse...

Poema lindíssimo do que, de certa forma, era a vida das mulheres de antigamente. Não concordo muito do ... morrer primeiro.
Penso que não era (não é) bem assim
.
Cumprimentos poéticos
.
Pensamentos e Devaneios Poéticos
.

Cidália Ferreira disse...

Gostei muito do poema! :)

-
Encantamento das estrelas...
-
Beijo e um excelente dia