quinta-feira, 20 de agosto de 2020

Junto â Água

Os homens temem as longas viagens 
os ladrões da estrada, as hospedarias, 
e temem morrer em frios leitos 
e ter sepultura em terra estranha. 

Por isso os seus passos os levam 
de regresso a casa, às vontades da infância, 
ao velho portão em ruínas, à poeira 
das primeiras, das únicas lágrimas. 

Quantas vezes em 
desolados quartos de hotel 
esperei em vão que me batesses à porta, 
voz da infância, que o teu silêncio me chamasse! 

E perdi-vos para sempre entre prédios altos, 
sonhos de beleza, e em ruas intermináveis, 
e no meio das multidões dos aeroportos. 
Agora só quero dormir um sono sem olhos 

e sem escuridão, sob um telhado por fim. 
À minha volta estilhaça-se 
o meu rosto em infinitos espelhos 
e desmoronam-se os meus retratos na moldura. 

Só quero um sítio onde pousar a cabeça. 
Anoitece em todas as cidades do mundo, 
acenderam-se as luzes de corredores sonâmbulos 
onde o meu coração, falando, vagueia. 

Autor : Manuel António Pina 
(Um Sítio Onde Pousar a Cabeça) 
In “Todas as palavras” 
Poesia reunida 
Imagem : Tyler Rayburn

2 comentários:

" R y k @ r d o " disse...

Bom dia:- Simplesmente maravilhoso
.
Um dia feliz

brancas nuvens negras disse...

Gostei muito deste poema, apela a sentimentos que nos são caros. Obrigado.