domingo, 15 de setembro de 2024

Rotina


A manhã acordou-me do repouso nocturno
Hoje é mais um dia que arremesso os dados ao destino
E saio apressada para tentar a minha sorte.

Autor : BeatriceM 2024-09-15
Imagem : Tina Sosna

sábado, 14 de setembro de 2024

Jogo

SONJA HESSLOW

Eu, sabendo que te amo,
e como as coisas do amor são difíceis,
preparo em silêncio a mesa
do jogo, estendo as peças
sobre o tabuleiro, disponho os lugares
necessários para que tudo
comece: as cadeiras
uma em frente da outra, embora saiba
que as mãos não se podem tocar,
e que para além das dificuldades,
hesitações, recuos
ou avanços possíveis, só os olhos
transportam, talvez, uma hipótese
de entendimento. É então que chegas,
 como se um vento do norte
entrasse por uma janela aberta,
o jogo inteiro voa pelos ares,
o frio enche-te os olhos de lágrimas,
e empurras-me para dentro, onde
o fogo consome o que resta
do nosso quebra-cabeças.

Autor : Nuno Júdice
in "A Fonte da Vida"

quarta-feira, 11 de setembro de 2024

Ficarei

 


Ficarei deitada entre flores murchas e molhadas
como o pássaro que ignora estar caído e morto
sobre pedras íntimas escorregadias de sal
no chão de tábuas de um quarto crepuscular
ou sobre as lajes nuas de uma praça
onde se nasce e morre sem pausa e sem dor.

Será talvez assim numa praça
que não se atravesse nunca vagamente
por estar finalmente a cumprir-se o oráculo
ao dormir amante sobre o ventre de mãe
da única alva de amor partilhada
com cordas de chuva a rasgarem-me o dorso
e a mesma violência de ritmo bendito
com que me empurraste contra as tábuas da barcaça
há quatro séculos e um dia em Bruges.

Era Setembro tanto faz.

Autor : Ana Margarida Falcão
Cadernos de Santiago I, Lisboa, 2016, p. 120-121
Imagem :TJ-Drydale

terça-feira, 10 de setembro de 2024

Poema da Mulher

Amo a beleza clara e justa da mulher.
Amo o que nela arde a sua pele serena
o corpo liso a cabeça pousada na mão.
Amo o sorriso por vezes triste o modo
como me olha entre a dúvida e o amor.
Sobretudo amo-a por a ouvir dizer-me
olá e depois é como se a voz abrisse um
caminho entre a minha e a vida dela.
Então tudo em mim lhe comunica um mundo
que estando do lado de cá passa para
o centro dela e fica dentro da sua alma.
Amo-a afinal toda e inteira e desperta
ou adormecida no íntimo do continente
ou na parte mais alta de qualquer ilha.
A mulher que eu amo é um ser de partida
que de vez em quando regressa à minha mão.
Ela não sabe mas há em mim uma maneira
de ir com ela e uma outra de a esperar.
Parto no navio alto e branco do seu ser
espero-a à chegada do vento que a anuncia
presente sentada na bainha da minha alma.

Autor : João de Melo
Imagem : Laura Zalenga

domingo, 8 de setembro de 2024

Medo de brincar com as palavras

 

Tenho medo de mim
quando brinco com as palavras.

Medo de libertar os segredos que guardei,
e como pássaros feridos,
ainda doem, dentro de mim.

Não quero ferir nem com palavras,
quando apenas quero paz,
e mansidão dentro e fora de mim.

Autor : BeatriceM 2024-09-08
Imagem : Rosie Hardy

sábado, 7 de setembro de 2024

Mulher

Metade mulher metade pássaro
Metade anémona metade névoa

Metade água metade mágoa
Metade silêncio metade búzio

Metade manhã metade fogo
Metade jade metade tarde

Metade mulher metade sonho

Autor : Jorge Sousa Braga
In : O Poeta Nu
Imagem : Anke Merzbach

sexta-feira, 6 de setembro de 2024

Poema

Não me firas com o teu silêncio.
Traz- me a leveza das tuas mãos que tão breves partiram sem aceno.
Clama pelo meu nome como se a primeira estrela fosse a noite com o teu rosto.
Não me castigues de catos.
Traz- me rosas sobre os lábios e pica-me de beijos que sangrem.
Afasta a solidão e traz o teu silêncio.
Pousa-o sobre a leveza do meu corpo e seremos um oásis manso de paixão.
Vem e faz- me acreditar que o sol ainda arde na labareda da fome.
Enche com os teus olhos de ausência os meus olhos de pássaro.


Autor : Maria Isabel Fidalgo
Imagem : Andrea Kiss

quinta-feira, 5 de setembro de 2024

Mudamos esta Noite


Mudamos esta noite
E como tu
eu penso no fogão a lenha
e nos colchões
onde levar as plantas
e como disfarçar os móveis velhos

Mudamos esta noite
e não sabíamos que os mortos ainda aqui viviam
e que os filhos dormem sempre
nos quartos onde nascem

Vai descendo tu
Eu só quero ouvir os meus passos
nas salas vazias.

Autor : António Reis

quarta-feira, 4 de setembro de 2024

Varanda para o mar

 

Todas as casas deviam ter uma varanda para o mar

Para que as manhãs acordassem no velame inquieto da claridade
E as sombras fundeassem frescas pelas paredes opacas do meio-dia
E os entardeceres rebentassem em sotaventos de crepúsculo num quarto

Todas as casas deviam ter uma varanda para o mar

Ou uma janela...
Ou um parapeito...

Um olhar...

Autor : Sandra Costa
Imagem : Kelly Tan

terça-feira, 3 de setembro de 2024

De Setembro

Por ti escrevo o desenho do sol
sobre as macieiras,
o destino da minha sombra
na terra.

Estás longe,
no fulminante calendário
das emoções.

As folhas que pisaste
no último outono
ardem agora,
rutilantes e húmidas,
na tarde vazia.

Cantas na memória
como no primeiro dia,
os dedos cegos como frutos.

Sabes?

O odor dos eucaliptos
é setembro a beijar
a cor dos teus olhos.

Autor : Eduardo Bettencourt Pinto
Imagem : Andrea Hubner

domingo, 1 de setembro de 2024

Partidas Inadiáveis


Fazem sentir dores dobradas,
mágoas desordenadas,
lutas interiores desgovernadas.

Autor : BeatriceM 2024-09-01