domingo, 25 de novembro de 2012

Um dia



Eu queria escrever sobre uma mulher com um ramo de flores sobre o peito.


Mas a mulher contornou a rua e meteu-se numa viela cheia de papeis espalhados pelo chão. 

Dizem que ela todos os dias vai olhar o mar 
E que atira uma flor, apenas uma, para as águas .

Então eu fico a imaginar a flor, e o mar 
e a dor da mulher. 

Ela passa sempre com os cabelos louros soltos 
e um vestido verde da cor dos seus olhos. 

Um dia eu ainda ofereço uma flor 
para ela colocar nos cabelos. 

Um dia! 

Beatrice

     


domingo, 18 de novembro de 2012

Momentos



Estou doente!  A médica diagnosticou-me um vírus e mandou-me para casa com baixa médica e em repouso absoluto. Regressei dos serviços médicos,meio morta, meio viva, passei no supermercado, comprei leite, ovos, cereais e massas, e meti-me na cama.  Não consigo abrir os olhos, doí-me o corpo todo e vou fica aqui a hibernar até que me passe a virose.  Coloquei o telefone em sinal de vibrar mas já decidi que não vou atender ninguém. Ninguém.  Ninguém também se aplica a ti. Hoje sinto o mar ainda mais perto. Está bravo e eu oiço-o como se estivesse a entrar-me em casa, e sei que é impossível, eu vivo num 4ºandar. O vento assobia lá fora, daqui a nada chove. Também não interessa. Vou ficar aqui a contar a solidão e a tentar massacrar a  dor que se entranhou em mim. Não estou alegre nem triste, estou doente. Não vou atender o telefone. Não vou!

Também nem telefonaste.

BeatriceM 2012-11-15
Foto : anna66

domingo, 11 de novembro de 2012

Eu escrevo amor



Eu escrevo amor. E nem sei porquê. Não sou eu a pessoa certa para escrever amor, e não saber explicar o que é o amor. E tu ris. Ris muito. Olhas – me e só ris, não falas, e no entanto eu seria capaz de dizer que te ouvi dizer baixinho que eu sou o amor, que sou o teu amor e que isso basta. Mas eu sei que nem estás aqui e que não falaste. Deves estar em algum lado a ouvir música ou no cinema com alguém. E eu volto a escrever amor. Assim: AMOR. E acho que estou com uma expressão idiota e cândida e nem sei porque estou aqui a meio da tarde a fazer figura de parva, enquanto tu nem deves lembrar (mais) que eu existo. E eu que estou aqui a escrever amor, como se fosse um filme que se desenrola e onde todos sabem o que significa amor, menos eu. E tu ris e dizes que eu sou lunática. E eu sei que nem falaste que sou eu que oiço vozes e que oiço a tua. E tu nem sabes que eu estou aqui a escrever a palavra amor e que acho que sei o que significa, mas que não sei explicar. Acho que é um subterfúgio apenas para pensar que um dia ainda me dizes. 
És o meu amor!

Beatrice 2012-11-11
Foto : chudzyy

domingo, 4 de novembro de 2012

Vigília



É noite e transporto comigo as agruras do dia. Pesado. Gélido.
Não temo o fim do dia. Apenas a noite me atraiçoa. Sempre!
Escondo-me na utopia e escudo-me do silêncio que se abate nas paredes, brancas,
Sou um pingo de cal. Pinto-me de manhãs claras e sonho. Os olhos abertos.
Sonham.
E desenham um dia a alvorecer cheio de sol.
Um sonho desenhado na noite – em claro.

Autor : BeatriceM 04-11-2012

Foto . Monika Kulińska

sábado, 3 de novembro de 2012

doem-me



doem-me, talvez os olhos, (ossos do sentir?)

talvez o mar que perdeu as gaivotas no marulhar dos sentidos...

doi-me este teatro de sombras, que me envolve na ensónia das noites que se fingem ausentes do espelho que se estilhaça no sal das lágrimas,
e no entanto vou,
todas as manhas para o lugar dos passos que me desenham o futuro...

.

Autor : Almaro


domingo, 28 de outubro de 2012

Divagação



Tu vais ter sempre o teu mundo tão próprio, tão pessoal, tão secreto e intransponível que mesmo por ser tão misterioso, nunca mais me vai atrair.

 Posso mudar de cidade, de rotinas até de país, e, não será por isso que vou compreender a tua filosofia de vida.

Não vou!

 Mas, também já nem me afecta muito.

 Cansei de viver uma vida que não era a minha, mas a tua, e mesmo assim saber que não valeu a pena. Eu era uma actriz que apenas contracenava para um espectador.

Por vezes ainda choro e quero acreditar que foi apenas uma fase que passou.

 Um dia vou voltar para um lugar onde o mar seja mais azul e a praia mais amarela.

 Por vezes, ainda me doem os ossos e por vezes ainda sinto o meu corpo em chamas.

 E talvez em algum lugar alguém me espere, mesmo que não seja tu.

Autor : BeatriceM
Foto . UM

domingo, 21 de outubro de 2012

É quase meia-noite



É quase meia-noite, vou até à varanda e sinto frio.   Lá em baixo um cão corre, saltando as poças de água que se formaram com a chuva que hoje caiu ininterruptamente.   Passou mais um dia, sem nada de novo.   Tenho o nariz a pingar e resolvo entrar para dentro.   Esta casa é pequena.   Tenho em cima da mesa jornais velhos, nem os li, separo-os.  Amanhã vão para o lixo.  Retiro as fotos que tenho sobre a mesa-de-cabeceira, que me sorriem, e já não me dizem nada.   Ou talvez digam.   Eu é que já feneci.   Depois desse tempo em que ainda sorria e fazia pose,para a câmera.  Hoje foi a última vez que assinei o meu nome, com uma parte do dele.   Assinei e não volto mais a assinar.   Isso não importa.   É apenas um nome.   Tenho frio.   E não tenho sono!   Apenas tristeza.   E uma solidão imensa espalhada por toda a casa, uma solidão maior que a casa que até é pequena.
-
BeatriceM 2012/10/21

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

O Medo




(Sabugal, 18 de Novembro de 1943 –Porto, 19 de Outubro de 2012) 



Ninguém me roubará algumas coisas,
nem acerca de elas saberei transigir;
um pequeno morto morre eternamente
em qualquer sítio de tudo isto.

É a sua morte que eu vivo eternamente
quem quer que eu seja e ele seja.
As minhas palavras voltam eternamente a essa morte
como, imóvel, ao coração de um fruto.

Serei capaz
de não ter medo de nada,
nem de algumas palavras juntas?

Manuel António Pina, in "Nenhum Sítio"

domingo, 14 de outubro de 2012

Um abraço

Um abraço

É um laço
Estreito
Macio
Sem margens
Sem obstáculos
Um abraço apenas
E neste momento
Era tudo
O que eu te queria dar

Beatrice 2012-10-14

foto : ofu5

domingo, 7 de outubro de 2012

Recuo no tempo


Recuo no tempo e no espaço
E sei que ando à deriva
Como barco em tormenta
Sem bússola
Águas amotinadas impedem
A minha chegada
A algum porto de abrigo
Estou completamente só
Aqui
Agora
E para sempre

A escuridão tomou conta de mim
E nem o azul do céu me sorri
Mas
Deixo-me ir ao sabor do vento
E se calhar
Algum porto haverá
À minha espera

. BeatriceM  2012-10-07


domingo, 30 de setembro de 2012

O Outono


Hoje choveu!

O Outono traz-me cores de sépia e cheiros a terra molhada. A  água da chuva são lágrimas das nuvens  que caem sentidas sobre a terra seca. 

Sei de mim. Sei da estação que já nem é, sei dos trilhos que quero ir e nem sei se irei.

Sei de mim, deste desejo inequívoco de me ser, assim, mulher em corpo de criança.

Um dia o pintor, pintou-me com traços que lembravam uma boneca de porcelana.

Foi a melhor tela que ele alguma vez ousou pintar.

Talvez por isso o Outono traz-me pinceladas de memórias com sussurros de ternura.


Beatrice  2012-09-30





domingo, 23 de setembro de 2012

Ausência




Já não sei se te oiço, ou se é eco somente
Na imaginação (minha)
É
Deve ser
Claro que é
Agosto acabou e tu foste
E levaste contigo tudo o que fantasiamos
Juntos
Deixaste os domingos para sempre
Envoltos nesta saudade
De ti
De nós
A tua ausência é este vazio
É este corpo que reclama
O apêndice do teu
Eu podia dizer que estás aqui
Que ainda te oiço
Mas tu não estás
E nunca mais vais estar.

BeatriceM 2012-09-23

Foto George Bednarski

domingo, 9 de setembro de 2012

Crepúsculo



Uma lágrima insolente
Teimou em cair
Soprei-a para longe
Cansada do seu  sabor a sal
.
Caiu desprotegida
E perdeu-se na suavidade
Da pele sem maquilhagem
.
Transformei-a num sorriso
E abraçei a saudade de ti
Na tarde incandescente de sangue
.
BeatriceM 2012-09-09


domingo, 2 de setembro de 2012

O tempo (quente)



O tempo (quente)
Entontece-me o corpo
Esvazia-me os sentires (transmuta-me)
Em mulher ave – que sonha um voo (imaginário)
Com asas emprestadas
Que tem poderes inúteis mas sabe
Desenhar arco-íris
Mulher que segura um punhal
E estilhaça sonhos
Que desafia marés e que sonha asas-de-cetim
Com fragmentos de luares

BeatriceM  2012-09-02

domingo, 26 de agosto de 2012

O acordar




Acordei com a impressão de ouvir uma voz
e sei que foi ilusão
o corpo repousado, recusou levantar-se
e ficou a relembrar outras vidas que se cruzaram
com a minha
.
De olhos semicerrados
e em fracções de segundos
aromas incendiaram o quarto
e levaram-me a instantes de deleite
sentimento e alvoroço
a moldaram-me o acordar
 .
Saltei da cama apressada
E fui dançar o dia.
 .
Autor: Beatrice
 Foto  :  Mooy