domingo, 9 de setembro de 2018

sonhos


sigo um sonho – só meu
nas cores incandescentes
da paixão assolapada
que dissemino
nas noites em branco.

e desmembro
os nós que me estorvam
os sentidos
quando olho as cinzas diluídas
em mim.

Autor : BeatriceM 2011-04-09

sábado, 8 de setembro de 2018

nem tanto ao mar...


Pavel Mitkov


não tenho nada
para te dar
quando me pedes
para ficar
junto a ti
sem falar.

como posso
eu calar
o que o coração
acaba por ditar
quando ao teu lado
e sem nada o comandar
me diz:
-"o silêncio vai-te afastar!"

Autor :LuísM Castanheira
lm_11.jun.2018
https://poesiaaremar.blogspot.com/

sexta-feira, 7 de setembro de 2018

Ode ao Castigo

Marcela Bolivar

Só mais uma menina entre outras
E o quadro negro onde escrever o teu nome a giz
Como um erro ortográfico do coração.

Castigo.
Entre nós o alto muro do recreio
E a obrigação de permanecer só.

Autor : Ana Salomé
In Odes

quinta-feira, 6 de setembro de 2018

Meu amor que te foste sem te ver

Violeta Radkova

Meu amor que te foste sem te ver
que de mim te perdeste sem te amar
quem sabe se outra vida tu vais ter
ou se tudo se perde sem voltar

ou se é dentro de mim que tem de haver
tanta força no meu imaginar
que o poeta que é Deus o vá reter
e te dê vida e faça regressar

para de novo o sonho desfazer
num contínuo surgir e retornar
ao nada que dá ser ao que é querer
ao fado que só dá para se dar

por tudo estou amor e merecer
o que venha para eu te relembrar
só adorando o nada pretender
só vogando nas águas de aceitar.

Autor : Agostinho da Silva

in 'Poemas'

quarta-feira, 5 de setembro de 2018

De ti só quero o cheiro dos lilases


Christian Schloe

De ti só quero o cheiro dos lilases
e a sedução das coisas que não dizes
De ti só quero os gestos que não fazes
e a tua voz de sombras e matizes

De ti só quero o riso que não ouço
quando não digo os versos que compus
De ti só quero a veia do pescoço
vampira que já sou da tua luz

De ti só quero as rosas amarelas
que há nos teus olhos cor das ventanias
De ti só quero um sopro nas janelas
da casa abandonada dos meus dias

De ti só quero o eco do teu nome
e um gosto que não sei de mar e mel
De ti só quero o pão da minha fome
mendiga que já sou da tua pele.

Autor : © Rosa Lobato de Faria

domingo, 2 de setembro de 2018

Partida


maurízio raffa


Não disseste, que a morte era uma
pétala que cai, em forma de vida
que fenece,
apenas te foste, num murmúrio e sem alardes
partiste simplesmente,
no canto das aves,
numa jornada sem retorno.
.
Autor : BeatriceMar

sexta-feira, 31 de agosto de 2018

Só eu sinto bater-lhe o coração

Brita Seifert

Dorme a vida a meu lado, mas eu velo.
 (Alguém há-de guardar este tesoiro!)
 E, como dorme, afago-lhe o cabelo,
Que mesmo adormecido é fino e loiro. 

Só eu sinto bater-lhe o coração,
Vejo que sonha, que sorri, que vive;
Só eu tenho por ela esta paixão
Como nunca hei-de ter e nunca tive. 

E logo talvez já nem reconheça
Quem zelou esta flor do seu cansaço... 
Mas que o dia amanheça
E cubra de poesia o seu regaço!


Autor : Miguel Torga
in 'Diário (1946)'

quarta-feira, 29 de agosto de 2018

Poema sobre a recusa

Como é possível perder-te
sem nunca te ter achado
nem na polpa dos meus dedos
se ter formado o afago
sem termos sido a cidade
nem termos rasgado pedras
sem descobrirmos a cor
nem o interior da erva.
.
Como é possível perder-te
sem nunca te ter achado
minha raiva de ternura
meu ódio de conhecer-te
minha alegria profunda.
.

Autor:Maria Teresa Horta
Foto:Paulo Madeira

domingo, 26 de agosto de 2018

noite e margens

Ben Zank

Nas orlas da noite –margens em mim
Tenho todos os segredos – em nós
Guardo no ventre a seiva – e afogo-me
Luxúria dos corpos - em rios
Nas escarpas das certezas – de perigos
E somos dois – entrelaçados
Unos – apenas 


Autor :BeatriceM
(Nota: pode separar o poema (o que está escrito a negrito) e ler de duas maneiras)

Foto:Stan Mare

sexta-feira, 24 de agosto de 2018

Bairro

Luís Amaro 
(1923-2018)

Em teu corpo enfim repousarei
Das pedras ásperas
Que mal sei pisar?

Das guerras, dos cilícios,
Dos ecos a doerem nos ouvidos
Como pedradas.
E dos tédios que sangram?

Ah, finalmente
Ao desfolhar teu corpo desfolhado
— Mas inda fresco e belo —
A vida será minha?

Autor : Luís Amaro
Foto:Autor desconhecido

terça-feira, 7 de agosto de 2018

Horizonte Imediato

Cristina Fornarelli

Todos os dias me apoio em qualquer coisa
ando, como, esqueço
alguma coisa aprendo
e desaprendo
alguma coisa limpa nua grave

surge
ao lado passa
eu não sou este desejo
que às vezes arde
alto sobre o chão

Autor : António Ramos Rosa
In Estou vivo e escrevo sol (1966) retirado de Antologia Poética

domingo, 5 de agosto de 2018

Crepúsculo


Não me iludo
No meu horizonte vislumbro
O crepúsculo do dia
A noite cinge-me
E eu quero um devaneio
Feito deslumbramento
Num braçado de estrelas cadentes.

Autor : BeatriceM 2012-08-05

sábado, 4 de agosto de 2018

Bar do Acaso

Fabian Perez

Escrevo, decerto, por qualquer
razão inútil que não vais nunca entender.
Surgem as frases, vês, desconhecidos
que no bar do acaso encontro e são
as tuas mãos a escrever por mim.

Minto-lhes, digo que só te amo
a ti, eles riem e pedem-me pra ficar,
que sim, que a noite ainda é uma pequena
musa no breve altar venal do coração.
Fico. Dou à boca o jeito do cigarro
e é em fumo que transformo o corredor
de imagens, metáforas, pequenos desvios de
ritmo mais pobre ou queda sempre a pique
em sentido nenhum. Às vezes, sabes, é mais
difícil descobrir que o amor, como o cigarro,
quando se acende é que começa
a iluminar o fim.

Autor : Rui Costa
em, O pequeno-almoço de Carla Bruni (edição bilingue), Punta Umbría: Ayuntamiento de Punta Umbría, 2009, p. 10.

sexta-feira, 3 de agosto de 2018

Epitáfio

Foto:Marcela Bolivar

Querida vida.
Pobre pó.
Tão pó a pó.
Após, a pó.

Autor : Luiza Neto Jorge
em Poesia, Lisboa: Assírio & Alvim, 2ª edição, 2001, p. 288.

quarta-feira, 1 de agosto de 2018

...


Preferia não saber das ruas
onde posso desfazer-me do desejo.
Ir ao encontro das estátuas
para me refazer do medo.

A noite é pequena e cabe
num gesto atirado ao ar
quando se parte sem olhar para trás,
nem necessidade de confirmar amor algum.

Tirei tudo dos bolsos.
Toquei o rosto para sentir a temperatura.
Não estou morta nem vou morrer.

De regresso a casa, a única certeza:
que a manhã virá para reflectir a palidez,
a habitual dificuldade em existir cedo.

Autor : Marta Chaves
em Pedra de Lume, Lisboa: Paralelo W, 2013, p. 27.