quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

Um estranho no meu túmulo

 

Chegámos tarde a nós.
Eu tinha a pele gasta, o coração no fio.
Tu eras um longo muro de cimento areado
em que deixava a carne inteira
a caminho do encontro.

A primavera ficava-nos sempre
à esquerda, e tu cada vez mais
dentro de mim até não sentir nada,
até estares já do outro lado.
Para trás, a cova matinal na almofada,
o postal entre a leitura suspensa,
o número a chamar de um fantasma.

Se apagar as marcas de onde pousaste
a cabeça sobre a minha vida,
se ganhar novo espaço para o fôlego,
faz-me só um favor:
nunca mais me reconheças.

Autor: Inês Dias
Imagem : Patrizzia Burra

3 comentários:

" R y k @ r d o " disse...

Poeticamente... fabuloso.
A imagem é magistrfal
.
Cumprimentos fraternos.

Cidália Ferreira disse...

Um poema fantástico!!
~~
Tapetes alvos em campos de bonança
~~
Beijos. Feliz dia de Reis

Mário Margaride disse...

Belíssimo poema!
Sensualidade á flor da pele...
Parabéns!
Beijinhos!