quarta-feira, 11 de março de 2020

Eu te amo homem




Eu te amo, homem, hoje como toda a vida quis e não sabia, eu que já amava de extremoso amor, divago, quando o que quero é só dizer te amo. 
Teço as curvas, as mistas e as quebradas, industriosa como abelha, alegrinha como florinha amarela, desejando as finuras, violoncelo, violino, menestrel e fazendo o que sei, o ouvido no teu peito para escutar o que bate. 
Eu te amo, homem, amo o teu coração, o que é, a carne de que é feito, amo sua matéria, fauna e flora, seu poder de perecer, as aparas das tuas unhas perdidas nas casas que habitamos, os fios da tua barba. 
Esmero. 
Pego tua mão, me afasto, viajo pra ter saudade, me calo, falo em latim pra requintar meu gosto… 
Aprendo. Te aprendo, homem. 
O que a memória ama fica eterno. 
Te amo com a memória, imperecível. 
Te alinho junto das coisas que falam uma coisa só: Deus é amor. Você me espicaça, você me guarnece, tira de mim o ar desnudo, me faz bonita de olhar-me, me dá uma tarefa, me emprega, me dá um filho, comida, enche minhas mãos. 
Eu te amo, homem, exatamente como amo o que acontece quando escuto oboé. 
Meu coração vai desdobrando os panos, se alargando aquecido, dando a volta ao mundo, estalando os dedos pra pessoa e bicho. Assim, te amo do modo mais natural, vero-romântico, homem meu, particular homem universal. 
Tudo que não é mulher está em ti, maravilha. 
Como grande senhora vou te amar, os alvos linhos, a luz na cabeceira, o abajur de prata; como criada ama, vou te amar, o delicioso amor: com água tépida, toalha seca e sabonete cheiroso, me abaixo e lavo teus pés, o dorso e a planta deles eu beijo.

Autor :Adélia Prado

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