sábado, 18 de abril de 2009

Teatro

Na selva dos meus órgãos, sobre a qual foi desde sempre a pele o firmamento, ao coração coube o papel de rei da criação. Ignoro de que peça é todo este meu corpo a encenação perversa, onde se vê o sangue rebentar contra os rochedos. Do inferno, aonde às vezes o sol vai buscar as chamas, sobre ele impediosamente jorram os projectores.

Autor: luís miguel nava
Poesia Completa 1979-1994
Publicações D. Quixote, 2002

Foto:Paulo Cesar http://www.paulocesar-eu.paulo/ cesar

domingo, 5 de abril de 2009

...Prometemos um ao outro, as coisas
impossíveis. O amor proibido. As palavras
infinitas. Os livros que nunca lemos. As mãos
que nunca demos, os beijos que nunca trocamos.
As carícias do olhar que agora
está vazio.
Prometemos! Prometemos o tudo
e temos o pouco. Demasiado pouco!
Tu não sabes e eu desisto outra vez. Cansado.
Os dias horríveis tentando parar o tempo em
cada milésimo de segundo que seja.Tu não sabes!
.

Foto:Carlos Vilela

sábado, 4 de abril de 2009

Quero que me abraces



Quero que me abraces,

antes que a tristeza envelheça no meu peito.

Com o tempo, habituei-me

à conivência das palavras

e a usar, com inocência, certos gestos.

A tua sombra é-me familiar.

Sou espectador do teu sorriso

tão perto da simplicidade.

Quero falar contigo, horas a fio.

Sem pretextos de fuga.

Sem palavras caladas.

Um silêncio definitivo ser-nos-ia fatal.

Mas, depois, partirei,

porque sei que há no meu sangue

uma embarcação possessa

do chamamento do mar, ou da solidão.

.

Autor:Graça Pires
De Conjugar afectos, 1997