sábado, 27 de outubro de 2018

Meia Lágrima

 iSAW

Não,

a água não me escorre
entre os dedos,
tenho as mãos em concha
e no côncavo de minhas palmas
meia gota me basta.
Das lágrimas em meus olhos secos,
basta o meio tom do soluço
para dizer o pranto inteiro.
Sei ainda ver com um só olho,
enquanto o outro,
o cisco cerceia
e da visão que me resta
vazo o invisível
e vejo as inesquecíveis sombras
dos que já se foram.
Da língua cortada,
digo tudo,
amasso o silencio
e no farfalhar do meio som
solto o grito do grito do grito
e encontro a fala anterior,
aquela que emudecida,
conservou a voz e os sentidos
nos labirintos da lembrança.

Autor : Conceição Evaristo

sexta-feira, 26 de outubro de 2018

Viandante

Trago notícias da fome
que corre nos campos tristes:
soltou-se a fúria do vento
e tu, miséria, persistes.
Tristes notícias vos dou:
caíram espigas da haste,
foi-se o galope do vento
e tu, miséria, ficaste.
Foi-se a noite, foi-se o dia,
fugiu a cor às estrelas:
e, estrela nos campos tristes,
só tu, miséria, nos velas.

Autor : Carlos de Oliveira

quinta-feira, 25 de outubro de 2018

..

Sabine Liebchen
O que vale na vida não é o ponto de partida e sim a caminhada. Caminhando e semeando, no fim terás o que colher.

Autor :Cora Coralina

quarta-feira, 24 de outubro de 2018

Gnossienne nº 1

Fabian Perez

Eu acreditei que podia amar
o teu corpo, o teu modo de insinuar o coração
nas palavras. Mas era apenas a forma como a noite
sublinhava as superfícies, eu nunca pude atravessar
essa espessura. Estavas ali para te dispores aos meus sentidos
mas crescias fora de alcance no teu próprio
pensamento. Uma distância que só serviria
aos lobos, um mau caminho arrancado às fragas.

Já só conhecia os dias onde tu os frequentavas, o sítio
em que me mantinhas era mais urgente
que o sangue. Sem dúvida que vinhas pelo meu desejo
mas eu perdia sempre alguma coisa
quando te ganhava. Às vezes era só
a minha vontade, outras vezes era toda a frase
do meu nome.

Autor : Rui Pires Cabral

terça-feira, 23 de outubro de 2018

Roteiro do Silêncio

sadness

Não há silêncio bastante
Para o meu silêncio.
Nas prisões e nos conventos
Nas igrejas e na noite
Não há silêncio bastante
Para o meu silêncio.

Os amantes no quarto.
Os ratos no muro.
A menina
Nos longos corredores do colégio.
Todos os cães perdidos
Pelos quais tenho sofrido
Quero que saibam:
O meu silêncio é maior
Que toda solidão
E que todo silêncio.

Autor: Hilda Hilst

segunda-feira, 22 de outubro de 2018

Da Palavra


Violeta Radkova

Silêncio: a palavra
respira. Corpo deitado
no mar. Silêncio de fogo
e música.

Silêncio: a palavra sangra
seu cântico de pó. Peixe
de sombra
mordendo as estrelas.

A palavra só. A palavra
refresca. Osso abandonado
na praia deserta.

A palavra de água
onde nego a morte. Pausa
do sol.

Autor : Casimiro de Brito
[Luz & sombra]

domingo, 21 de outubro de 2018

...



Peço desculpa pelo abandono deste espaço, mas por razões de força maior , tive de fazer uma pausa totalmente imprevista mas necessária.
Espero que voltem….
Grata!

domingo, 16 de setembro de 2018

Por ti

Marcela Bolivar

Por ti
Esperei tardes prolongadas
com os ossos enregelados
e o coração magoado.

E quando o declinar do dia
ameaçava tempestade
inventei poentes
alimentei mágoas
forjei fragrâncias nos sargaços .

Aguardei

Um abraço que não chegou
Um beijo que não aconteceu

E nas esperas envelheci
Envelheci mais que as noites, as esperas, os dias

Os abraços não dados
Os beijos não permutados.

Hoje quando a maresia trouxe com ela
resquícios do teu perfume
constatei, pesarosa
que já nada havia para esperar.
.
Autor : BeatriceMar 2013-09-15



sábado, 15 de setembro de 2018

...

Marcela Bolivar

Tentei descobrir na alma alguma coisa mais profunda do que não saber nada sobre as coisas profundas.
Consegui não descobrir.

Autor Manoel de Barros

quinta-feira, 13 de setembro de 2018

Nas minhas mãos

christian schloe

Deslizo no teu corpo...
As minhas mãos trémulas.
Percorro as linhas
De uma escultura perfeita,
E no suor da tua pele
Perco o medo de sentir.
Um momento único
De cada segundo que passa!
Nos meus dedos
Levo a inocência,
De um amor banido
Que se oculta,
Na textura do prazer
O estado natural do inconsciente.
Deslizo no teu corpo...
As minhas mãos pertencentes
Das sensações deslumbrantes,
Que a minha boca cala
Num beijo único.
Dois corpos despidos
Que se enaltecem de formosura
Nas minhas mãos..

Autor: Conceição Bernardino
Em "Alma Poética"
Página 19

quarta-feira, 12 de setembro de 2018

...

Mikeila Borgia

Escrever nem uma coisa
Nem outra -
A fim de dizer todas -
Ou, pelo menos, nenhumas.

Assim,
Ao poeta faz bem
Desexplicar -
Tanto quanto escurecer acende os vaga-lumes.

Autor : Manoel de Barros

terça-feira, 11 de setembro de 2018

Felicidade Eterna

Pavel Mitkov


Antigamente todos os contos para crianças terminavam com a mesma frase, e foram felizes para sempre, isto depois de o Príncipe casar com a Princesa e de terem muitos filhos. Na vida, é claro, nenhum enredo remata assim. As Princesas casam com os guarda-costas, casam com os trapezistas, a vida continua, e os dois são infelizes até que se separam. Anos mais tarde, como todos nós, morrem. Só somos felizes, verdadeiramente felizes, quando é para sempre, mas só as crianças habitam esse tempo no qual todas as coisas duram para sempre. 

Autor : José Eduardo Agualusa
in 'O Vendedor de Passados'

domingo, 9 de setembro de 2018

sonhos


sigo um sonho – só meu
nas cores incandescentes
da paixão assolapada
que dissemino
nas noites em branco.

e desmembro
os nós que me estorvam
os sentidos
quando olho as cinzas diluídas
em mim.

Autor : BeatriceM 2011-04-09

sábado, 8 de setembro de 2018

nem tanto ao mar...


Pavel Mitkov


não tenho nada
para te dar
quando me pedes
para ficar
junto a ti
sem falar.

como posso
eu calar
o que o coração
acaba por ditar
quando ao teu lado
e sem nada o comandar
me diz:
-"o silêncio vai-te afastar!"

Autor :LuísM Castanheira
lm_11.jun.2018
https://poesiaaremar.blogspot.com/

sexta-feira, 7 de setembro de 2018

Ode ao Castigo

Marcela Bolivar

Só mais uma menina entre outras
E o quadro negro onde escrever o teu nome a giz
Como um erro ortográfico do coração.

Castigo.
Entre nós o alto muro do recreio
E a obrigação de permanecer só.

Autor : Ana Salomé
In Odes