quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Corpo Ausente

Natália Drepina
Mistério, esse, o da vida...
Aquele que morre nos ponteiros do tempo
Das almas guardadas num oceano sem fundo
Porque os corpos já não comandam
Os dias que passam, inúteis...

Guardei no bolso o sonho
Porque nos olhos já não cabia!
Era grande demais, e os olhos são pequenos...
O bolso, é fundo e escuro
Acomoda a eternidade do que é utópico.

Tomo café, ainda assim, todas as manhãs
Com os raios de sol que cabem nas palmas das minhas mãos
E vêm plantar esperança na seiva que corre em mim.

E na sombra da minha silhueta
Planto o silêncio que o vento afaga
Trémulas, as minhas mãos? Não!
Fazem parte do meu corpo ausente
Que adormeceu, há muito, nos braços da terra.

Autor : Cecília Vilas Boas
in O Eco do Silêncio(Esfera do Caos 2012)

terça-feira, 11 de outubro de 2016

..

katia_chausheva

Cada instante é um lugar perdido em que te entregas
à passagem do tempo. A juventude é um vício
que perdemos inevitavelmente. Dizes: é breve o amor,
efémera a vida.

Somos uma estância museológica,
algo anacrónico que aprende a perdurar por medo
de morrer. Toca-me, conjuga um verbo que conheças
no presente do indicativo, soletra-o na segunda pessoa
do singular ao meu ouvido, dá-me qualquer coisa
que me pareça eterno.

Basta-me que o teu olhar me encontre.

Autor : José Rui Teixeira

domingo, 9 de outubro de 2016

há sempre

Fidel Molina

há (sempre) um vento seco
que me acaricia
e me despenteia.

há sempre uma esperança
que em mim se enlaça e segreda
amanhãs plenos de verde.

há sempre um poente
que me acalma, e embala
há sempre. sempre!

Autor  : BeatriceMar

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Julgava que te tinha dito adeus

Mira Nedyalkova

Julgava que te tinha dito adeus,
um adeus contundente, ao deitar-me,
quando pude por fim fechar os olhos,
esquecer-me de ti, dessas argúcias,
dessa tua insistência, teu mau génio,
tua capacidade de anular-me.
Julgava que te tinha dito adeus
de todo e para sempre, mas acordo,
encontro-te de novo junto a mim,
dentro de mim, rodeias-me, a meu lado,
invades-me, afogas-me, diante
dos meus olhos, em frente à minha vida,
por sob a minha sombra, nas entranhas,
em cada golpe do meu sangue, entras
por meu nariz quando respiro, vês
pelas minhas pupilas, lanças fogo
nas palavras que minha boca diz.
E agora que faço?, como posso
desterrar-te de mim ou adaptar-me
a conviver contigo? Principie-se
por demonstrar maneiras impecáveis.
Bom dia, tristeza.

Autor : Amalia Bautista

terça-feira, 4 de outubro de 2016

Olhos Remoçados

brooke shaden

No tempo em que crescíamos
a noite bramava tão parda
que nem parecia noite

De súbito um frémito de luz
pestanejou nos mastros do cais

o mar restolhou

e eu vi claramente
os teus olhos remoçados
alumiarem as águas

Após tantos relâmpagos vividos
julgavas estar preparada
para voar

mas os pássaros ainda aprendiam
a ter asas

Autor : Eufrázio Filipe
http://mararavel.blogspot.pt/

domingo, 2 de outubro de 2016

Apontamento

Marcos Beccari

Às vezes penso que já era estranha quando te conheci.
Sei lá!
Acho que depois fiquei pior, e nem sei se é pior ou melhor ficar ainda mais estranha, do que sempre fui. Tu dizias que eu era uma ostra, mas que também sabia ser uma gaivota. E eu sabia que ostra queria dizer, calada e gaivota queria dizer, capaz de voar sem dar explicação nenhuma a ninguém muito menos a ti. Tu também ias e vinhas, mas nunca ficavas.
Ás vezes penso que eu não sou assim estranha como tu me fazes crer que eu sou, acho que quem é estranho és tu, por isso, quando voltares, a passar na minha rua e quereres saber de mim, nem fazes ideia que eu já cruzei o oceano, e que na minha bagagem a lembrar-me de ti apenas levo aquele boneco horrível que me deste quando fomos comer um hambúrguer ao mcdonalds.
Talvez por isso eu não me importo nem um pouco que me aches estranha.
E sem querer ser normal, acho que vou guardar em mim tudo o que ainda sinto por ti e que tu nunca vais morrer nas minhas memórias.
Mas, isso, tu também não precisas de saber…
.
Autor:  BeatriceMar

quinta-feira, 15 de setembro de 2016

do chão

elena shumilova

Precisava de falar-te ao ouvido
De manter sobre a rodilha do silêncio
A escrita.
Precisava dos teus joelhos. Da tua porta aberta.
Da indigência. E da fadiga.
Da tua sombra sobre a minha sombra
E da tua casa.
E do chão.

Autor : Daniel Faria
Poesia

quarta-feira, 14 de setembro de 2016

enigma



No primeiro dia que saí contigo
disseste que o teu trabalho era estranho.
Mais nada. Todavia, eu sentia
a pele a rasgar-se como trapos
de cada vez que me tocavas com a mão.
E os teus olhos pareciam-me punhais
a fazer-me doer os meus.
Daí para a frente foi sempre a mesma coisa:
tu orgulhavas-te da tua arte,
mais subtil e directo em cada dia
e eu nunca percebia nada.
Mas agora sei. Já conheço o teu ofício:
Atirador de facas. A mais certeira
atiraste-ma ao coração.

Autor : Amalia Bautista

terça-feira, 13 de setembro de 2016

Ecos

Steve Hanks

Procuro no âmago
de cada palavra ,
Ecos de um corpo ,
Já desnudado !
Em cada instante ,
Imprevisto , mergulho ,
No vale dos silêncios ...
Do outro lado dos espelhos ,
Emergem ,
Olhares cintilantes !
Os sons das árvores ,
Moldam o teu rosto .


autor : (Albino Alves )

domingo, 11 de setembro de 2016

procuro-te

Federico Erra

procuro-te (ainda)
no recanto da noite
quando o dia me desampara.

nem sempre te vejo
mas tu ainda vives em mim
e no meu respirar.

Autor : BeatriceMar

sábado, 10 de setembro de 2016

Que nenhuma estrela queime o teu perfil


Que nenhuma estrela queime o teu perfil
Que nenhum deus se lembre do teu nome
Que nem o vento passe onde tu passas.

Para ti criarei um dia puro
Livre como o vento e repetido
Como o florir das ondas ordenadas.

Autor : Sophia de Mello Breyner Andresen

sexta-feira, 9 de setembro de 2016

...

Anna O.
Todos te beijaram
…menos eu.
Todos te abraçaram
…menos eu
Todos te amaram
…menos eu.
Todos te possuíram
…menos eu.
Um dia tu partiste e todos te esqueceram
…menos eu.

Autor : César Alexandre Afonso 12/12/1998

quinta-feira, 8 de setembro de 2016

Não sabemos nada



Nunca saberemos se os enganados
são os sentidos ou os sentimentos,
se viaja o comboio ou a nossa vontade
se as cidades mudam de lugar
ou se todas as casas são a mesma.

Nunca saberemos se quem nos espera
é quem nos deve esperar, nem sequer
quem temos de aguardar no meio de um cais frio.

Não sabemos nada.

Avançamos às cegas e duvidamos
se isto que se parece com a alegria
é só o sinal definitivo
de que nos voltamos a enganar.

Autor : Amalia Bautista

quarta-feira, 7 de setembro de 2016

O quarto

eric zener

II

fogem-me as palavras, meu amor.
as palavras que em tempo foram nossas
e agora se colam ao tempo, às memórias.
o que fazer com o tempo que me cresce nas mãos?
o tempo que agora me percorre o corpo
e que antes nos fugia quando estávamos juntos.
o que fazer com o tempo
que me trouxe a tua ausência
e me envelhece, lentamente, a cada hora?

Autor : Paulo Eduardo Campos
in A Casa dos Archotes

domingo, 4 de setembro de 2016

Cara ou Coroa

Serge Marshennikov

Deixo-te
O segredo por desvendar
Do outro lado da porta

Se nunca a descerrares
Ficarás na eterna dúvida
E na incerteza

Talvez
O medo não te deixe
Voar no momento


Escolhe!

Autor : BeatriceMar