terça-feira, 19 de abril de 2022

Canção à Ausente

Para te amar ensaiei os meus lábios...
Deixei de pronunciar palavras duras.
Para te amar ensaiei os meus lábios!

Para tocar-te ensaiei os meus dedos...
Banhei-os na água límpida das fontes.
Para tocar-te ensaiei os meus dedos!

Para te ouvir ensaiei meus ouvidos!
Pus-me a escutar as vozes do silêncio...
Para te ouvir ensaiei meus ouvidos!

E a vida foi passando, foi passando...
E, à força de esperar a tua vinda,
De cada braço fiz mudo cipreste.

A vida foi passando, foi passando...
E nunca mais vieste!

Autor : Pedro Homem de Mello, in "Segredo"
Imagem : Mónia Merlo

domingo, 17 de abril de 2022

Ruas

 

Ando por ruas e acho-as aparentadas
umas com as outras, no entanto
eu sei que são todas desiguais.

Gosto de encontrar ruas novas,
para perscrutar,
e por vezes acho que as conheço,
mas sei que nunca por ali caminhei.

As ruas para mim são enigmáticas,
e cheias de curiosidade,
que me levam a um mundo,
que construo só para mim,
e que ninguém pode entender.

Autor : BeatriceM 2022-04-16
Imagem : Silena Lambertini

sábado, 16 de abril de 2022

Fui Sabendo de Mim

Fui sabendo de mim
por aquilo que perdia

pedaços que saíram de mim
com o mistério de serem poucos
e valerem só quando os perdia

fui ficando
por umbrais
aquém do passo
que nunca ousei

eu vi
a árvore morta
e soube que mentia

Autor : Mia Couto, 
in "Raiz de Orvalho e Outros Poemas"
Imagem : Taylor Rayburn

sexta-feira, 15 de abril de 2022

Árvore fantasma

 

A árvore vã
segura o abandono
da estação

ela nunca escolhe
mas não arreda pé
de sua substância
ferida na seiva

desmancha-se
na sua profundidade
esperando atrair
os pássaros dementes
perdidos de seus ventos

Autor : Solange Firmino
No livro “Quando a dor acabar”, da @caravanagrupoeditora

quinta-feira, 14 de abril de 2022

Poema da Utopia


A noite caiu sem manchas e sem culpa.
Os homens tiraram as máscaras de bons actores.
Findou o espectáculo. Tudo o mais é arrabalde.
No alto, a utópica lua, vela comigo
e sonha inutilmente com a verdade das coisas.

- Noite! Deixa-nos também dormir...

Autor : Fernando Namora
Imagem : Taylor Rayburn

quarta-feira, 13 de abril de 2022

...

 

nenhuma montanha repõe o silêncio
que legaste às aves
a aridez das serranias revela    isso sim
o deserto dos teus lábios
a rarefação do teu sentir
afastas-me  

                      que importa
deixo o vento levar a forte carapaça do teu existir
pois o mar malgrado o vaivém inconstante das ondas
mantém-se fiel à tua sede

© Margarida Afonso Henriques (a publicar)
Imagem : Olga Domanova

terça-feira, 12 de abril de 2022

...

Também eu trago a saudade
nos sentidos

se dissesse que não
era mentira

Também eu perdi um cão
casas
rios

Mas hoje
tenho mulher
amigos
e uma saudade mais real
é que me inspira

Autor : António Reis, 
in 'Novos Poemas Quotidianos'
Imagem : Maria Magdalena Oosthuizen

domingo, 10 de abril de 2022

...


o brado do vento,
infestou a praça,
com um eco seco.

só as árvores amedrontadas
permaneceram de pé.

calada e receosa, entrei em casa,
com o meu sonho oculto,
nas algibeiras do vestido,
para não se perder.

Autor : BeatriceM 10-04-2022
Imagem : Joan Carol

sábado, 9 de abril de 2022

A sombra sou eu


 A minha sombra sou eu,
ela não me segue,
eu estou na minha sombra
e não vou em mim.

Sombra de mim que recebo luz,
sombra atrelada ao que eu nasci,
distância imutável de minha sombra a mim,
toco-me e não me atinjo,
só sei dó que seria
se de minha sombra chegasse a mim.

Passa-se tudo em seguir-me
e finjo que sou eu que sigo,
finjo que sou eu que vou
e que não me persigo.

Faço por confundir a minha sombra comigo:
estou sempre às portas da vida,
sempre lá, sempre às portas de mim!

Autor : José de Almada Negreiros

sexta-feira, 8 de abril de 2022

Do dever

 
O fardo da montanha é quase tocar o céu
o fardo da nuvem é durar pouco
mesmo quando acaba a chuva

certos encargos são estranhos
pois o fardo da caverna é não conter vento
e o fardo do vento é ser abafado
em espaços muitas vezes minúsculos

o fardo humano é um tormento
pois não sabe se busca por Deus
ou se Deus o habita

Autor : Solange Firmino
In “Quando a dor acabar”
Imagem : Katharina Jung

quinta-feira, 7 de abril de 2022

Recomece

Quando a vida bater forte
e sua alma sangrar,
quando esse mundo pesado
lhe ferir, lhe esmagar...
É hora do recomeço.
Recomece a LUTAR.

Quando tudo for escuro
e nada iluminar,
quando tudo for incerto
e você só duvidar...
É hora do recomeço.
Recomece a ACREDITAR.

Quando a estrada for longa
e seu corpo fraquejar,
quando não houver caminho
nem um lugar pra chegar...
É hora do recomeço.
Recomece a CAMINHAR.

Autor :  Bráulio Bessa
imagem Leszek Paradowski

quarta-feira, 6 de abril de 2022

A cabeça é que paga

 


Silêncio
Ela pediu
Silêncio
ao rádio do carro,
aos pais, aos irmãos,
aos chefes, aos amigos.

Só a cabeça
não respeitou o seu pedido.

Autor : Filipa Leal
(in A Cidade Líquida e Outras Texturas,

terça-feira, 5 de abril de 2022

Não é a tua mão


Não é a tua mão
filha

que eu levo
na minha mão

é uma raiz
que eu planto
em mim mesmo

Autor  : António Reis, 
in 'Novos Poemas Quotidianos'

domingo, 3 de abril de 2022

Momentos Efémeros


Os pingos de chuva encharcam a alvorada,
e a cidade, respira apática ao momento,
efémero.

Amarroto bem no fundo do meu peito,
esta solidão que ninguém quer,
nem eu.

Levanto a cortina,
e por entre os pingos ,
eu sou, e só, apenas um vulto.

Autor :BeatriceM 16-03-2014

sábado, 2 de abril de 2022

Trova do Mês de Abril

 

Foram dias foram anos a esperar por um só dia.
Alegrias. Desenganos. Foi o tempo que doía
Com seus riscos e seus danos. Foi a noite e foi o dia
Na esperança de um só dia.

Foram batalhas perdidas. Foram derrotas vitórias.
Foi a vida (foram vidas). Foi a História (foram histórias)
Mil encontros despedidas. Foram vidas (foi a vida)
Por um só dia vivida.

Foi o tempo que passava como nunca se passasse.
E uma flauta que cantava como se a noite rasgasse
Toda a vida e uma palavra: liberdade que vivia
Na esperança de um só dia.

Musa minha vem dizer o que nunca então disse
Esse morrer de viver por um dia em que se visse
um só dia e então morrer. Musa minha que tecias
um só dia dos teus dias.

Vem dizer o puro exemplo dos que nunca se cansaram
musa minha onde contemplo os dias que se passaram
sem nunca passar o tempo. Nesse tempo em que daria
a vida por um só dia.

Já muitas águas correram já muitos rios secaram
batalhas que se perderam batalhas que se ganharam.
Só os dias morreram em que era tão curta a vida
Por um só dia vivida.

E as quatros estações rolaram com seus ritmos e seus ritos.
Ventos do Norte levaram festas jogos brincos ditos.
E as chamas não se apagaram. Que na ideia a lenha ardia
Toda a vida por um dia.

Fogos-fátuos cinza fria. Musa minha que cantavas
A canção que se vestia com bandeiras nas palavras:
Armas que o tempo tecia. Minha vida toda a vida
Por um só dia vivida.

Autor : Manuel Alegre
Imagem : Piedade Araújo Sol