sexta-feira, 27 de agosto de 2010


Bem sabes que não sou capaz
de dizer adeus
porque o amor tem sempre
a impossibilidade
da despedida
por não haver nele
nenhuma forma de morrer
como a luz do crepúsculo
que quando aqui se apaga
é para fazer dia noutro lugar.

E por isso não julgues
que tenha perdido
o norte
nesta estátua de mármore
em que me transformaste
ao sul
dos teus olhos.
Como uma ostra no fundo do mar
vou depositando esta pérola no coração
para te deixar.
.
Autor : José Miguel de Oliveira http://deliriospoeticos.blogspot.com/
Foto: mooya http://plfoto.com/zdjecie,portret,sunday-morning,2097044.html

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

esperar dói

em azul mais azul que azul

em branco mais que branco

preso a um fio de bruma

esperar dói

na agonia pendular

que o vento torna mais nua

esperar dói

mãos feitas de bruma

dedos mágicos

tocam-se no colar das bocas

esperar dói

soltem-se os lábios dos rostos

para se beijarem em liberdade


Autor : antónio paiva http://coisas-do-burro.blogspot.com

Foto:F_W_B http://plfoto.com/zdjecie,portret,bez-tytulu,2162970.html

domingo, 22 de agosto de 2010

......



É sobre o rio que me vejo inteira e nua
debruçada sobre as pedras a lavar lençóis de mágoa
memórias desbotadas de gritos sem sentido
restos de sonhos que o tempo amarrotou.
É do rio que me vem com as marés
o cheiro a mar aberto a vento e chuva fria
que um dia me revolveu e encharcou
as asas com que já não sei voar como sabia.
É no rio que desaguo a raiva de ter sido
a ponte entre margens que não quis perder
perdulária do tempo da certeza
e me encontro de novo e nova em mim.
.
Autor:Ana Oliveira http://pacodasartes.blogspot.com/
Foto:Olga Czerwinka

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

É esta noite



Esta noite há talvez luar, cometas
e gafanhotos de asas de prata
preenchendo todo o céu.
Esta noite,
provaremos desse fruto
estranho às aves,
apenas consentido
à mordedura dos poetas,
no ardor de um qualquer Maio.
Esta noite,
todos os relógios
do mundo serão nossos:
esta noite provaremos do amor.

Autor :João de Mancelos
Entre Ausência e Esquecimento , Aveiro, Estante Editora, 1991.

domingo, 15 de agosto de 2010

As palavras são coisas # 2

Se a tua boca as diz

se no teu rosto as vejo

as palavras são coisas

quando as fere o desejo


e quando dizes mar

e quando dizes norte

não sei se não me acerco

de um bocado de morte


e quando dizes barco

ou quando dizes esfera

há águas que transbordam

e inundam a terra


as palavras são coisas

as palavras são um perigo

se acaso as pronuncias

quando não estás comigo


e quando tu adormeces

muda num sonho fundo

tudo se desvanece

e deixa de haver mundo.


Autor:Bernardo Pinto de Almeida

Foto:M-ania K

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Infinito Amor


Depois
Os homens e os pássaros vinham
Descansar em meu regaço
Maternal e transbordante

Depois de nós, amado, tudo acresce
Tudo refloresce
Do ventre da terra
Ainda
Se sou, intrínseca, um ser melhor …

Autor :Boneca de Trapos http://emsaltosaltos.blogspot.com/
Foto:dawidowe http://plfoto.com/182015/autor.html

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Ausentes para amor incerto



Já nem sabíamos quem fingir,
meu amor.
Foram raros os barcos nos lábios,
e demasiadas as laranjas
que a manhã descobriu
por afagar.

Já não somos a glória
de um corpo à deriva noutro corpo,
as nossas mãos já não florescem
nos cantos de cada noite.

Abelhas mordidas de morte,
cães de olhar deserto,
à chuva, à pedra, ao riso,
todos somos
Ausentes para Amor Incerto.

Autor :João de Mancelos In Ausentes para Amor Incerto , Aveiro, Ed. de autor, 1994.
Foto:Szarareneta

sábado, 24 de julho de 2010

Tudo o que ficou por dizer



Tudo o que ficou por dizer
porque de repente
era a hora do combóio
ou um telefone longínquo tocava
ou um qualquer acidente aconteceu.

Tudo o que ficou por dizer
porque o pudor calou a voz
porque um orgulho surdo a interrompeu
porque as palavras talvez já nem chegassem
ou era tarde
e o cansaço aos poucos foi levando a melhor.

Tudo o que ficou por dizer
porque a dor doía em demasia
e era necessário que as palavras
fossem capazes de ser claras como o ar
porque as palavras traem
como gumes de facas que nos cortam.

Tudo o que ficou por dizer
porque a tristeza apertou tanto a garganta
que nenhum som saía
nem o olhar continha
em desespero
uma lágrima ainda assim contida.

Tudo o que ficou por dizer
porque o tempo urgente
se esvaía
e de repente já não estava
no lugar a quem havia que o dizer
quem ainda há pouco nos ouvia.

Tudo o que ficou por dizer
e tudo
o que ficou por dizer
ou tudo
sempre
por dizer.
.
Autor: Bernardo Pinto de Almeida
Foto:Komarek66

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Esta manhã encontrei o teu nome



Esta manhã encontrei o teu nome nos meus sonhos
e o teu perfume a transpirar na minha pele. E o corpo
doeu-me onde antes os teus dedos foram aves
de verão e a tua boca deixou um rasto de canções.

No abrigo da noite, soubeste ser o vento na minha
camisola; e eu despi-a para ti, a dar-te um coração
que era o resto da vida - como um peixe respira
na rede mais exausta. Nem mesmo à despedida

foram os gestos contundentes: tudo o que vem de ti
é um poema. Contudo, ao acordar, a solidão sulcara
um vale nos cobertores e o meu corpo era de novo
um trilho abandonado na paisagem. Sentei-me na cama

e repeti devagar o teu nome, o nome dos meus sonhos,
mas as sílabas caíam no fim das palavras, a dor esgota
as forças, são frios os batentes nas portas da manhã.

Autor:Maria do Rosário Pedreira
Foto:Marasm

domingo, 18 de julho de 2010

Esta noite

esta noite
senti o mar incendiar-se
nas tuas mãos

arderam os olhos
nas tuas mão inteiras
enormes

esta noite no teu peito
inventei estrelas
que não conhecia
.

Autor:Luis Rodrigues
Foto:fotoalterego http://plfoto.com/zdjecie,akt,bez-tytulu,2140002.html

sábado, 10 de julho de 2010

A mulher desconhecida



é muito bela esta mulher desconhecida
que me olha longamente
e repetidas vezes se interessa
pelo meu nome

eu não sei
mas nos curtos instantes de uma manhã
ela percorreu ásperas florestas
estações mais longas que as nossas
a imposição temível do que
desaparece

e se pergunta tantas vezes o meu nome
é porque no corpo que pensa
aquela luta arcaica, desmedida se cravou:
um esquecimento magnífico
repara a ferida irreparável
o doce amor
.
Autor:José Tolentino Mendonça
(in "A noite abre meus olhos/poesia reunida, Assírio & A
Foto:holethrom

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Queria.....



Queria dizer-te que já abandonei os barcos. Queria que soubesses. Queria dizer-te que agora já não existem motivos para que partas, já não te troco pelo mar e os barcos são só memória. Mas é a tua que se sobrepõe a todas as outras memórias mesmo sendo a água a primeira memória da humanidade.

Só queria que soubesses isso. Que abandonei os barcos

Agora para matar o tempo, para que saibas também, passeio pela beira-mar na praia que foi a nossa no cabo do mundo. E se um dia resolveres regressar nem a vais reconhecer…

Autor:João Marinheiro
Foto:komarek66

quinta-feira, 8 de julho de 2010

sede


Bebi um verso,
Sôfrego de cor,
No calor-do-não-estar-aqui…
Bebi-o!
Todo,
para respirar
e
perder-me no olhar,
sem dor,
por ali…
.
Autor:Almaro
Foto:Szarareneta

domingo, 4 de julho de 2010

Vagueio

Vagueio por caminhos perdidos a fim de me encontrar
Escondo sentimentos mas divulgo emoções
Escrevo palavras que me escorrem pelos olhos
Ignoro diários inacabados por ausência de coragem e
Adopto hábitos solitários que me enternecem por breves segundos mas que me abatem por longas horas.

No fundo, até a ínfima parte do meu ser esperneia para que voltemos a ser um só.
Tu e Eu, apenas.

Autor:Petra Correia

Foto:RCotton

sábado, 3 de julho de 2010

Toma-me

Toma-me
em teus braços
d’enlaços feitos.
Faz-me princesa dos teus actos,
(ou boneca de trapos)
coroa-me de boquets diademados
d’ hortenses d’algas e sargaços...

Mata a sede antiga
de te sentir a palpitar de lés-a-lés
edificado em mim, que, musa ou diva,
cederei ao desejo incontido
de ser em ti, de ti, poema, livro aberto,
mapa de um mundo secreto
e só nosso,
bonança e porto de abrigo

ou água …

simplemente água, livre e solta,
a explodir-se saliva no céu-da-boca
nos poros da alma
e nos corpos exaltados
os nossos corpos, amado, fundidos e nus
em palco divino de estrelas e de astros
afixos.

Mostra-me, se fores capaz,
a lua p’los teus olhos
os prados largos
e o sol alcantilado
nos delírios de ninfas e faunos.

Ofereço-te este mapa de marés…
.
Autor:Boneca de Trapos http://emsaltosaltos.blogspot.com/
Foto:GosiaMakova