segunda-feira, 15 de março de 2010

tão breve


em fogo

as mão tatuaram
a pele macia da moça
e a febre dos beijos
salivaram juras,
cintilando estrelas

no lago dos olhos...
o rio correu livre
beijando todas as pedras
penetrando em todas as frestas,
brincando de ser feliz...


breve como o verão
passaram as águas,
calaram os risos
restaram as mágoas,
as águas dos olhos...

Autor:Zélia Nicolodi http://emmimumsonhoazul.blogspot.com/
Foto:Mniaka

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

A próposito das estrelas


Não sei se me interessei pelo rapaz
por ele se interessar por estrelas
se me interessei por estrelas por me interessar
pelo rapaz hoje quando penso no rapaz
penso em estrelas e quando penso em estrelas
penso no rapaz como me parece
que me vou ocupar com estrelas
até ao fim dos meus dias parece-me que
não vou deixar de me interessar pelo rapaz
até ao fim dos meus dias
nunca saberei se me interesso por estrelas
se me interesso por um rapaz que se interessa
por estrelas já não me lembro
se vi primeiro as estrelas
se vi primeiro o rapaz
se quando vi o rapaz vi as estrelas


Autora : Adilia Lopes
In Um jogo bastante perigoso em Obra, Lisboa, Mariposa Azual, 2000

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

As mazelas


Aos 77 anos, como é natural, aparecem-nos todas as mazelas.

Insignificâncias,uma dor aqui, uma dor ali, nas costas, na perna, na cabeça, uma pequena coisa na pele, na unha, no olho. Não ligo nenhuma. Porque a minha pior mazela é não acreditar que tenho 77 anos.

Eu bem me farto de dizer aos quatro ventos a minha idade para ver se interiorizo esse facto,mas, por dentro, estou na casa dos trinta, vá lá quarenta,e não passo daí.

Setenta e sete anos? Que loucura!Tenho sempre tanta coisa para fazer, para acabar, para ler, para escrever,tanto lugar para visitar. Tanto Museu para ver e depois as mazelas - aí!-,mas vou, porque tenho trinta anos e, evidentemente, tenho que ir.

Não tenho a noção de ser uma senhora velha. Digo "estava lá uma velhota",ou "imaginem que uma velha"...Estou a falar de pessoas provavelmente mais novas do que eu, mas não me enxergo.Até quando irá durar esta idade subjectiva que não me deixa envelhecer tranquilamente.

Só quando me oferecem o braço (já caí na rua e parti a perna, mas nem assim...),quando não me dirigem galanteios(que estranho!),acordo para a realidade,aí, é verdade, tenho 77 anos, que maçada...Ultimamente, tive (ou tenho, ainda não percebi)cancro de mama. Como acho que Deus não me ia mandar esta doença só para me chatear, abri uma campanha de sensibilização(televisão incluida), para que as mulheres façam mamografias.

Transformei a porcaria da doença numa coisa positiva.Passei os trâmites habituais operação, radioterapia, etc. tudo pacífico.Ainda por cima , o médico disse-me que era pouco provável que o cancro me matasse, porque, na minha idade, as células já não são o que eram...

Aí, sim?

Tenho 77 anos, que alegria!


Autora :Rosa Lobato Faria

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

não é sobre a solidão


não é sobre a solidão,
pouco me importa quem me
desviou palavra, é sobre
a tua ausência no lugar
íngreme da minha pele, por isso
cairei implume telhado abaixo
debulhada no coração



Autor:Valter Hugo Mãe

de o resto da minha alegria seguido de a remoção das almas Porto,
Cadernos do Campo Alegre 2003
Foto:Oem

domingo, 7 de fevereiro de 2010

entras de noite

Entras de noite, sem sombras, negra, escura de perfumes suaves,
a abraçar-me a ilusão com se colorisses a solidão do sonho
.
por vezes, à noite,
no silêncios dos pássaros
vejo-te
( em passos lentos)
e
oiço-te os olhos
( de alabastros-negro)
a cantarem,
saudade
em sussurros baços
e
beijo-te
como se fosses
verdade.

Autor: Almaro

Foto:Tilianne

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

um dia

Um dia, ainda menino, falei com um anjo… estava pintado de ventos…não me disse palavras…só me deu caminhos…..
autor :Almaro

sábado, 23 de janeiro de 2010

Foi para ti que abriguei a chuva


Foi para ti que abriguei a chuva
que calei o vento
e derramei-me feito perfume
nos confins da terra...
Eu te garanto
não toquei em nada mas para ti foi tudo,
tudo o que escrevi!
.
Para ti, criei todas as palavra
se todas me faltaram
no minuto em que talhei a fruta mais doce
e o sabor do sempre
sempre ficar.
.
Para ti dei voz
ao meu olhar
às minhas mãos.
Para ti
abri os gomos das horas
verti as gotas do tempo
e voltei á rua
e revi a cidade ...
.
Para ti, sim, para ti
Escrevi este poema
e pensei que tudo estava em nós
desde outrora, nessa doce espera
no engano das horas
de tudo sermos donos,e nada termos....
Para ti escrevi
simplesmente porque era noite e não dormíamos...
.
Para ti dediquei
Verso por verso
Em cada prosa
A cada momento
em que eu descia em teu peito
para me procurar..


Autor : Claude Bloc

Foto:Leszek

domingo, 17 de janeiro de 2010

Não

eu sem você é assim como dedos
quebrados
e a dor de nada se mover
em qualquer direção.
eu sem você
é um vão ornado
de escuridão.
.
Foto:netiee

domingo, 10 de janeiro de 2010

Conheço o Sal


Conheço o sal da tua pele seca
depois que o estio se volveu inverno
da carne repousando em suor nocturno.

Conheço o sal do leite que bebemos
quando das bocas se estreitavam lábios
e o coração no sexo palpitava.

Conheço o sal dos teus cabelos negros
ou louros ou cinzentos que se enrolam
neste dormir de brilhos azulados.

Conheço o sal que resta em minha mãos
como nas praias o perfume fica
quando a maré desceu e se retrai.

Conheço o sal da tua boca, o sal
da tua língua, o sal de teus mamilos,
e o da cintura se encurvando de ancas.

A todo o sal conheço que é só teu,
ou é de mim em ti, ou é de ti em mim,
um cristalino pó de amantes enlaçados.
.

Autor : Jorge de Sena
Foto: Mrodsi

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

"VIBRATO"

Que as palavras sejam
Canto de pássaros sob a máscara
Ainda quente de outros cantos
Recidivos...

Que se cumpram os prenúncios.
E a polpa dos dedos
Seja arrepio de pele sobre o dorso
Da vertigem...

E violoncelos tangendo a combustão
Dos corpos...

Livro de Horas
No mistério dos sentidos...

Autor: HERETICO http://relogiodependulo.blogspot.com/2009/10/vibrato.html
Foto: porsche944

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Chove.É dia de Natal


Chove. É dia de Natal.
Lá para o Norte é melhor:
Há a neve que faz mal,
E o frio que ainda é pior.

E toda a gente é contente
Porque é dia de o ficar.
Chove no Natal presente.
Antes isso que nevar.

Pois apesar de ser esse
O Natal da convenção,
Quando o corpo me arrefece
Tenho o frio e Natal não.

Deixo sentir a quem quadra
E o Natal a quem o fez,
Pois se escrevo ainda outra quadra
Fico gelado dos pés.

Autor:Fernando Pessoa

Foto:hhana

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Neste voo de escrever-te um poema


Neste voo de escrever-te um poema
um poema que falassedos rios ocultos
com cestas de astros e corais
que falasse das flautas de sol
polindo a tarde
e de picaretas de luz
que do peito à boca me ressoam


Um poema com peixes verde-prata
vindo à tona entre os juncos e as palavras
e onde os sapos surpreendidos em seus saltos
deixassem os gritos suspensos
nos cabelos das algas
com regatos de permeio


Um poema que tivesse também
um longuíssimo solo de violino
com todos os mundos que para ti inventei...
- Neste voo de escrever-te um poema
que não sei...

Autor:Victor Oliveira Mateus In "Movimento de Ninguém", Minerva, Lisboa, 1999, p 30.
Foto:Haim Zaslavsk http://plfoto.com/1967498/zdjecie.html

sábado, 12 de dezembro de 2009

...


As tuas palavras não sobem mais
os degraus da minha casa
...não as escuto
Os teus gestos fogem-me do corpo
...não mais os sinto
secam-se-me os olhos
...não te enxergo
Nas mãos conservo ainda o livro
da vida que vivemos
E me ofertaste
como despedida...
.

Autor:Helena Domingues http://orionix.blogspot.com/
Foto:mabar

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Algas

.Amar-te assim com a força da poesia
que sem querer
gravo em tudo o que faço e
souAmar-te assim ao clarear de mais um dia
em que descubro meu corpo
desnudado e
tranquilo.

Amar-te assim onde as mãos tacteiam
quais algas desavindas
perdidas nas profundezas
das águas

Amar-te...

Autor: © Piedade Araújo Sol
04/09/2005
http://olharemtonsdemaresia.blogspot.com/

Foto:glover barreto

sábado, 5 de dezembro de 2009

Há no corpo da mulher
as cordas dum violino adormecido;
Há no corpo do violino
os sonhos adormecidos duma mulher.
Quando o silêncio despe
a melancolia desafinada dos corpos,
as cordas tangem gemidos de desejo
despertando cinzas de sonos queimados
na espera de novas pautas
que escrevam melodias virgens
e despertem o repouso dos corpos.
.
Autor:PAS[Ç]SOS http://pacosdagua.blogspot.com/
Foto:Leszek