quarta-feira, 19 de maio de 2021

Ainda bem

 

Ainda bem
que não morri de todas as vezes
que quis morrer – que não saltei da ponte,
nem enchi os pulsos de sangue, nem
me deitei à linha, lá longe. Ainda bem

que não atei a corda à viga do tecto, nem
comprei na farmácia, com receita fingida,
uma dose de sono eterno. Ainda bem

que tive medo: das facas, das alturas, mas
sobretudo de não morrer completamente
e ficar para aí – ainda mais perdida do que
antes – a olhar sem ver. Ainda bem

que o tecto foi sempre demasiado alto e
eu ridiculamente pequena para a morte.

Se tivesse morrido de uma dessas vezes,
não ouviria agora a tua voz a chamar-me,
enquanto escrevo este poema, que pode
não parecer – mas é – um poema de amor.

Autor : Maria do Rosário Pedreira
Imagem : Xénia Lau

2 comentários:

- R y k @ r d o - disse...

Ainda bem que eu estou vivo para assim ter o privilégio de ler tão sublime poema de amor.
.
Cumprimento fraterno
.
Pensamentos e Devaneios Poéticos
.

Cidália Ferreira disse...

Fantástico poema! Amei :) 🌹
-
O silêncio incita o coração...
-
Beijos e uma boa noite!