quinta-feira, 11 de agosto de 2022

Olho para o livro ...


Olho para o livro que me emprestaste
e que nunca devolvi. Também ele olha para mim.
Tem as marcas da tua leitura, certos vincos
no branco das páginas, manchas subtis e difusas
como nuvens, restos das tuas mãos ou do teu olhar.
Espero que não penses sobre mim o que penso
sobre as pessoas que nunca me devolveram
os livros que emprestei. O que pensarás tu
sobre mim? Nunca li o livro que me emprestaste,
preferi sempre imaginá-lo. Suponho que ainda
se sinta estrangeiro entre os meus livros,
mas agora é demasiado tarde para devolvê-lo,
há tanto tempo que não falamos, não sei
se ainda guardo o teu número de telefone.
O que pensarias se agora, a despropósito,
te quisesse devolver o livro? Havias de pensar
que queria alguma coisa. Sabes, fico com o teu
livro porque não quero nada. Provavelmente,
nunca te devolverei este livro, fará parte do
meu espólio, é a última ligação que temos.

Autor : José Luís Peixoto
in Regresso a Casa

4 comentários:

LuísM Castanheira disse...

ainda hoje e já passaram 45 anos, tenho remorsos de não devolver à minha prima, um livro emprestado.
pedi-lhe o contacto. também emprestei alguns que nunca me devolveram.
poema interessante.
um BJ, B

- R y k @ r d o - disse...

Imagem e poema deslumbrantes que me fascinou ver e ler.
.
Abraço virtual de amizade
.
Pensamentos e Devaneios Poéticos
.

Cidália Ferreira disse...

Um texto intenso mas Belo!

-
"Sem querer dizer adeus.."

Beijos
Boa Tarde!

brancas nuvens negras disse...

Um monólogo em tom de diálogo a partir de um livro que é apenas um pretexto para se dizerem certas coisas.