sábado, 4 de maio de 2019

Só me resta agora

Só me resta agora 
Esta graça triste 
De te haver esperado 
Adormecer primeiro.

Ouço agora o rumor 
Das raízes da noite, 
Também o das formigas 
Imensas, numerosas, 
Que estão, todas, corroendo 
As rosas e as espigas.

Sou um ramo seco 
Onde duas palavras 
Gorjeiam. Mais nada. 
E sei que já não ouves 
Estas vãs palavras.

Um universo espesso 
Dói em mim com raízes 
De tristeza e alegria. 
Mas só lhe vejo a face 
Da noite e a do dia.

Não te dei o desgosto 
De ter partido antes. 
Não te gelei o lábio 
Com o frio do meu rosto.

O destino foi sábio: 
Entre a dor de quem parte 
E a maior — de quem fica — 
Deu-me a que, por mais longa, 
Eu não quisera dar-te.

Que me importa saber 
Se por trás das estrelas 
haverá outros mundos 
Ou se cada uma delas 
É uma luz ou um charco?

O universo, em arco, 
Cintila, alto e complexo. 
E em meio disso tudo 
E de todos os sóis, 
Diurnos, ou noturnos, 
Só uma coisa existe.

É esta graça triste 
De te haver esperado 
Adormecer primeiro.

É uma lápide negra 
Sobre a qual, dia e noite, 
Brilha uma chama verde

Autor : Cassiano Ricardo

1 comentário:

Larissa Santos disse...

Poema brilhante,parabéns. Adorei:))

Hoje :- A tua competência orgulha quem te escuta [Poetizando e Encantando]

Bjos
Votos de um óptimo Sábado.