No centro da cidade, um grito. Nele morrerei, escrevendo o que a vida me deixar e sei que cada palavra escrita é um dardo envenenado. Tem a dimensão de um túmulo e todos os teus gestos são uma sinalização em direcção à morte.
Mas hoje, ainda longe daquele grito, sento-me na fímbria do mar. Medito no meu regresso.
Possuo para sempre tudo o que perdi, e uma abelha pousa-me no azul do lírio e no cardo que sobreviveu à geada. Bebo, fumo, mantenho-me atento, absorto - aqui sentado, junto à janela fechada. oiço-te ciciar: amo-te, pela primeira vez, e na ténue luminosidade que se recolhe ao horizonte, acaba o corpo. Recolho o mel, guardo a alegria, e digo-te baixinho:
Apaga as estrelas, vem dormir comigo no esplendor da noite do mundo que nos foge.
Autor : Al Berto
in LUNÁRIO (1988; Assírio & Alvim, 2017)
Imagem Alex Robciuc
1 comentário:
Al Berto, um poeta que aprecio.
Um abraço.
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