quinta-feira, 25 de junho de 2020

POEMA INÚTIL:


Claro que não. Nada disto encoraja ninguém.
O silêncio, que às vezes era sinónimo de paz,
aguarda agora outros sons, escondido na violência.


A pessoa que passa na rua pela pessoa, faz por não existir.
Se calhar tinha expressão de linho, e agora está uma estopa.

Os minutos mudaram de sangue. Já não conseguem circular.
As veias parecem cheias de um líquido que o futuro talvez mate.
Há canções,por todo o lado, à beira de morrer.


E perante isso, alguns morrem daquela outra coisa já prevista.
E outros, pela primeira vez, se sentem solidários e com desejos
de loucura, por terem sido sempre tão normais.


Agora a única hipótese é olhar para a prosa como se fosse poesia, olhar
para a vida como se fosse música possível
e ainda totalmente por compor.

Muitos pensam no passado. Quando ainda não havia presente.
Quando um beijo não era ainda extra-terrestre.
Quando gritar ainda não chamava a atenção.
Quando a infecção ainda não fazia floreados no chão.

Somos tão frágeis como um beijo por dar, na palma da mão.

Autor : MANUEL CINTRA. 2 de Abril de 2020
Imagem : Istvan Sandorf

2 comentários:

" R y k @ r d o " disse...

"" Somos tão frágeis como um beijo por dar, na palma da mão.
""
Tudo dito sobre a grandeza literária do poema. Delicioso de ler e muito assertivo sobre o que se está a passar nos dias de hoje

Cumprimentos

brancas nuvens negras disse...

Muito bom escrito, tão bom que até ficou um poema.