sexta-feira, 19 de junho de 2020

Do verão



Do verão, diria uma planície lenta, quase amarela: o trigo
a enrolar-se nos pés, o oiro do sol, os cabelos
mais loiros. Um vento quente e ondulante sibilando
nas frestas de um celeiro. O fumo sonolento do calor
tornando informe o fio do horizonte. Do verão

diria também um tempo espesso onde todos
os acasos são sofríveis: duas papoilas, vermelho-sangue,
agitam a paisagem. Tu chegas e a minha pele chama-te
sete nomes em surdina. É a luz da tarde que faz o fulgor
dos fenos e aquece a roupa que abandonou o corpo
sem perguntas. As mãos podem então dar-se
todos os recados. E amanhã ninguém sabe. Fica

apenas um punhado de espigas quebradas sobre a planície
lenta; amarela, digo: as papoilas, entretanto, voaram.

Autor : Maria do Rosário Pedreira
In Poesia reunida

2 comentários:

" R y k @ r d o " disse...

Não existe seara de trigo sem papoilas. E que lindas e frágeis ela são.
.
Tenha um dia feliz
Cumprimentos

brancas nuvens negras disse...

Gosto muito da Maria do Rosário Pereira. Boa escolha.