terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

A misteriosa fraqueza do rosto humano


Não compreenderás a misteriosa fraqueza (que te confronta)
Não reconhecerás sequer o rosto

Não distinguirás, em difusa bruma, nenhuma utopia (evidente)
Nem uma única aspiração

Entenderás que existes, existes apenas,
E que, brevemente, também essa existente continuidade cessará

Sentirás, então, que presságio algum te estava destinado
E que era a ti, somente, que incumbia determinar o caminho

(Exceptuando, talvez, os contornos dos atalhos incontornáveis)

Perceberás, tardiamente, a instabilidade do percurso que percorreste
Escutarás o progressivo ruir dos territórios (que não poderás deter)

A iminente insurgência de um tempo absurdo

Como Sartre, compreenderás a frágil existência do destino figurado
Ser Nada, senão a razão dialética de uma responsabilidade crítica

Recordarás, enternecido, a candura inaugural
E, por um brevíssimo momento, serás o tempo pleno

A remota idade, a vida remotamente feliz
A época precedente à divergência das faces

Perceberás, mais tarde, a debilidade do sonho humano
Sentirás o progressivo desfazer dos fragmentos (que não saberás reter)
O gradual elevar do rosto inanimado

O levantamento de um tempo onde nenhum regressivo caminhar Te poderá regressar

Da vergada silhueta que (unicamente) subsistirá
Não reconhecerás sequer o rosto

Autor  : Filipe Campos Melo
Imagem : Anke Herzbach

4 comentários:

- R y k @ r d o - disse...

Deslumbrante, fascinante de ler
.
Feliz terça-feira de Carnaval. Saudações cordiais.
.
Poema: “” É Carnaval: Brinque-se … ””…
.

brancas nuvens negras disse...

Achei este poema uma obra excepcional. Vou procurar mais coisas desta autora.

brancas nuvens negras disse...

Aliás, deste autor, o Google prega-nos partidas.

BeatriceMar disse...

O autor tinha um blogue
http://porta-sonho.blogspot.com/
que creio ainda escreve lá de vez em quando.
mas tem uma vasta obra que é de grande qualidade.

:)