quarta-feira, 12 de outubro de 2022

Mulher de Arame

A não-mulher, antes de chegar a manhã, vai amassar o pão nasgamelas do contrato, com a barriga a parir anilhas e parafusos, em
ritmo acelerado e com os tímpanos a libertarem leitescondensados e açucarados, antes que chegue o sol, porque o sol
pode abrir as janelas.

No dia seguinte, são as espumas encarquilhadas, a passar debaixodos pés, sobre os mosaicos dos pátios com desenhos de rotação etranslação, que convergem para a extremidade da belezainvoluntária, mais o perfume do sabão, aberto, no pântano dasestátuas de arame.

Por isso, não me parece que esta mulher seja realmente mulher,mas antes asa peneireira das torres e, só, durante um instanteantes da morte (o tempo que dura a maquilhagem).Anseia que passe o inverno, por causa da inquietação que é secar aroupa no varal. E vai correndo sempre, enganada pelo horóscopo,

quase em estanho, nunca mulher.É o saiote, o toque do adufe, a menstruação, o pelourinho, a

grinalda, o fermento.

Sem orgasmos, sem lágrimas, sem pérolas, sem nunca ser quase

estátua.

É uma silhueta atrás do avental, que se assume ao sonho daevasão.

Extenua num idílio que é insustentável.

A pastora do imenso.

Morre todos os dias, na escuridão do jardim.

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 autor : Alice Caetano, in Antologia da Moderna Poética Portuguesa
Imagem : Mikeila Borgia

 

1 comentário:

Agradeço muito o feedback .
Mas, não comente se não leu, e por favor não deixe copy-paste.
Saudações Poéticas e que a Poesia viva sempre entre nós.
Muito obrigada!