sábado, 5 de outubro de 2024

“We are flint and steel to each other"

Ontem choveu sem descanso
e fizemos tudo mal. São dias
de pedra e aço - alguém sabe
onde nos levam? Dão-nos
um amor volúvel que lisonjeia
os sentidos, mas não podem
consolar-nos da penúria
de existirmos, tu e eu, cada um
na sua pele, no seu áspero

lugar. E lembram-nos a todo
o instante do que já estava perdido
no escuro de uma gaveta
antes de ter começado,
como um verso interrompido
nas costas de um envelope
ou uma velha cassete
que mal chegámos a ouvir,
hora e meia de remerso

e distorção. Não te salvo,
não me salvas - nem é certo,
quando o medo se demora,
que haja ainda o que salvar.

Contra o frio que nos ronda,
resta o lume que ateamos
por ternura, desfastio
ou vontade de vingar
o dissabor de viver.

Autor : Rui Pires Cabral
Imagem : Emérico Toth

2 comentários:

  1. Gostei deste poema e dos cinco versos com que conclui.

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  2. Uma forma diferente de escrever poesia. Gostei de ler.
    Bom dia e feliz fim de semana

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