sábado, 19 de março de 2022

Arte de gritar

 

Quisera dizer coisas
que ninguém tivesse dito antes de mim.

Deixar uma pegada sobre a areia intacta,
não sobre outras pegadas que já houvesse lá.

Mas cheguei tarde; os que me precederam
no exercício desta dura arte de gritar
amavam a minúcia, a completude,
nunca deixavam uma tarefa a meio.

Disseram tudo. Deixaram só migalhas susceptíveis
de glosas rasteiras, para eu me entreter

como uma criança pobre brinca com destroços
de brinquedos recuperados do lixo.

E eu digo essas migalhas como quem
escreve a terra em laudas rasuradas.

E escrevê-las-ei mesmo quando
não tenha língua já para as dizer.

(Os poetas entendem estes mansos
trocadilhos. Os outros, não importa.)

Autor : A.M. Pires Cabral
(in Gaveta do Fundo, Tinta da China, 2013)

4 comentários:

  1. Quando era jovem, com um grupo ( 4 comigo 5) de amigos, íamos à praia e nunca a mais de 20 metros da água, passávamos horas a caminhar mas não podíamos colocar os pés em areia com marcas de outros pés. Era divertidíssimo. Essa brincadeira durou uns 3 anos. Acabou porque o Francisco, rapaz de 19 anos, mudou-se com os pais para Inglaterra. Hoje é médico.
    Amei a imagem e o poema
    .
    Feliz fim-de-semana … saudações cordiais
    .
    Pensamentos e Devaneios Poéticos
    .

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  2. Poema lindíssimo que tanto me encantou ler.

    Beijinhos e um excelente fim de semana

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  3. lindo, maravilhoso .))
    --
    Coisas de uma vida

    Votos de um excelente fim de semana.
    Beijos

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Agradeço muito o feedback .
Mas, não comente se não leu, e por favor não deixe copy-paste.
Saudações Poéticas e que a Poesia viva sempre entre nós.
Muito obrigada!