sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

A música



Rui Costa
 1972-2012

A música partilha com a flor
a carne que se alaga como um copo.
A música é um rizoma atómico
cheia de sílabas grossas e finas
no peito maduro da onda.

Por isso a onda cai e a flor
também. E se te digo sei que ficas
triste e é quando substituis essa
geração de força por dois pequenos
vasos à entrada do teu dorso (e qual
és tu e qual sou eu é uma haste subindo)

Do teu lado esquerdo é dia.
O vestido é branco e aponta
a cidade a que chegas com os
dedos, rodando os ombros mas
não a cabeça. O teu olhar
é uma ferida musical sem verbo fixo:
a penumbra bate às vezes na
pálpebra, outras na imaginação.

A queda gera o seu próprio
impulso, como se fosse o preen-
chimento de uma forma: chama-se amor
e serve para os ouvintes ouvirem o esbracejar
do desejo, esses versos de asa silenciosa-
ouves?

Há poetas azuis que julgam que a
coerência é um pardal azul (da goela
até aos pés). Normalmente limpam os óculos
com coerência, em vez de com (enfim)
e depois vêem o mesmo pardal, a todas
as horas do dia e da noite, sentado azul-
mente sobre o seu nariz azul.

Pela direita, dizes que os versos
não caem se mudares constantemente
o chão. Mas os sonhos sim, e que a transla-
ção do vento sabe do remorso dos bichos mais
pequenos: procura as palavras junto ao chão
e se não me vires,
é porque o silêncio é também a música
e canto-a sem nome
para ti.
.

Rui Costa
in Um poema para Fiama,
Labirinto,2007

2 comentários:

Agradeço muito o feedback .
Mas, não comente se não leu, e por favor não deixe copy-paste.
Saudações Poéticas e que a Poesia viva sempre entre nós.
Muito obrigada!